A nova geração de profissionais que revolucionou a Ilha Terceira

O projeto Terceira Tech Island proporciona uma formação caríssima em programação sem custos. Uma nova geração de profissionais deu nova vida à Praia da Vitória.

O emprego é certo e os salários acima da média.

Uma nova geração de programadores informáticos está a revolucionar o mercado de trabalho na Ilha Terceira. Estes programadores passam por uma intensa e exigente formação de quatro meses, mas quando saem para o mercado de trabalho, a colocação é praticamente garantida e com salários que, à entrada, rondam logo os mil euros, bem acima do salário mínimo que ainda serve de base a muitas atividades empregadoras na Região.

Se fosse feita no continente português, esta formação em programação custaria 7 mil euros por aluno.Contudo, nos Açores, ela está a ser administrada de forma gratuita.

E isso acontece porque os encargos com a formação são suportados pelo Governo dos Açores, que aposta forte no projeto Terceira Tech Island e no seu potencial para a criação de emprego qualificado e bem pago.

O objetivo é o de compensar num futuro próximo a perda de empregos e o impacto económico negativo que se verificou após a redução da presença militar norte-americana na Base das Lajes.

Para já, as formações em programação têm abrangido sobretudo os jovens da Terceira, mas os cursos estão abertos a qualquer pessoa residente nos Açores, pelo que o seu efeito vai acabar por ter reflexos um pouco por toda a Região.

O projeto Terceira Tech Island integra o Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira (PREIT) e foi lançado em novembro de 2017, durante a Web Summit, em Lisboa.

Está a ser operacionalizado pela Sociedade para o Desenvolvimento Empresarial dos Açores (SDEA) e coordenado no terreno por Luís Leal, um açoriano que foi assessor de João Vasconcelos - recentemente falecido - quando este foi secretário de Estado da Indústria no Governo de António Costa e foi considerado o principal responsável pela vinda da Web Summit - a grande cimeira mundial da tecnologia - para Portugal.

O objetivo era o de colocar os Açores no radar dos investidores do setor tecnológico. Isto porque, nas novas tecnologias, mais do que grandes centros urbanos, as empresas procuram sobretudo bons profissionais e a formação aqui é a palavra-chave.

Com um fuso horário intermédio entre a América e a Europa, os Açores estão, por isso, numa posição geográfica interessante para prestar serviços em tempo real para os dois lados do Atlântico.

Além disso, ao instalarem-se na Ilha Terceira, as empresas tecnológicas usufruem dos regimes de incentivos que a Região tem para o investimento empresarial e para a criação de emprego, bem como do diferencial dos Açores, cujo imposto sobre as empresas tem uma taxa que é 20% mais baixa que o IRC no continente português.

Até agora, já se formaram 60 programadores nos três Bootcamps (cursos intensivos) concluídos.

Um quarto Bootcamp, com 34 alunos, está ainda a decorrer, estimando-se que até ao final deste ano sejam 160 os junior stack developers (programadores juniores) formados nos Açores.

Na sua maioria, estes programadores são especializados nas linguagens de programação Java e JavaScript pela Academia de Código.

E a partir deste ano, haverá também cursos em OutSystems - uma plataforma de desenvolvimento de aplicações - administrados pela ITUp.

No final de 2020, estima-se que se possa chegar aos 400 programadores a trabalhar ou em formação nos Açores. Na Ilha Terceira e ao abrigo do projeto Terceira Tech Island, instalaram-se já seis empresas e duas entidades formadoras.

Em declarações ao Açoriano Oriental, o vice-presidente do Governo dos Açores, Sérgio Ávila, refere que o projeto Terceira Tech Island resulta da “identificação que fizemos no mercado internacional das áreas de atividade económica que poderiam ser implementadas nos Açores, com potencial de criação de emprego”.

O projeto Terceira Tech Island tem assim crescido através do equilíbrio entre a oferta de formação disponibilizada nos Açores e a procura das empresas de novas tecnologias que a Região tem conseguido atrair para a Ilha Terceira.

Conforme refere Sérgio Ávila, “este será um projeto cujo crescimento dependerá da capacidade que nós tivermos de formar”.

O vice-presidente do Governo dos Açores entende que este é um desafio muito importante para os jovens açorianos, “que têm aqui uma oportunidade de se formar em quatro meses, sem encargos no ensino e no alojamento, para quem vier de outras ilhas.

Ao fim de quatro meses e pela experiência que temos, estes jovens poderão ter não uma, mas duas ou três propostas de emprego bem remunerado, estável e muito acima da média”.A formação é intensiva e muito exigente.

Os 34 formandos que atualmente frequentam o curso da Academia de Código tiveram de passar por um crivo bastante apertado para serem aceites nesta formação.

O ambiente é de criatividade e não é invulgar haver aulas com os alunos sentados em ‘puffs’ ou a escrever num quadro gigante, que preenche as quatro paredes da sala à sua volta.

Rodrigo Duarte, que é padawan master coder (termo aplicado aos professores em início de carreira e baseado nos filmes da ‘Guerra das Estrelas’), refere que “o mais novo neste Bootcamp tem 18 anos e o mais velho tem 48, com os mais variados ‘backgrounds’, desde doutorados a alunos com o 9º ano”.

As áreas de formação anterior destes futuros programadores também são muito variadas e vão desde estudantes de medicina até pessoas que trabalhavam “numa bomba de gasolina”, afirma Rodrigo Duarte.

Um exemplo dessa variedade é o de João Martins, que trabalha para a empresa tecnológica Acin.

Ele tem 37 anos, é natural da Terceira e até agora “fazia um pouco de tudo”, que é como quem diz, nunca teve um emprego qualificado, embora gostasse muito de computadores.

“Estava na altura desempregado, decidi arriscar, sofri uma ‘lavagem cerebral’ e agora estou aqui como programador”, afirma.

Luís Serpa, por seu lado, trabalha para a empresa consultora Bool. Cerca de metade do trabalho realizado na Terceira destina-se a clientes holandeses. Luís não tem dúvidas em afirmar que “trabalhar remotamente é sempre um desafio, mas com as tecnologias atuais consegue-se perfeitamente trabalhar nestas condições e tenho desenvolvido a minha carreira profissional como nunca antes a desenvolvi”.

Uma perspetiva externa sobre o Terceira Tech Island tem José Neto, que veio do Brasil para gerir a delegação da Bring nos Açores.

A Bring é uma empresa portuguesa que presta serviços internacionais, sobretudo para as áreas da banca e telecomunicações.

José Neto vem de um grande ecossistema empresarial, o da cidade de São Paulo, mas ainda assim afirma que “apesar de estarmos aqui numa ilha tão pequena, estamos trabalhando com tecnologias de ponta, que estão transformando a vida das pessoas atualmente”.

Além disso, José Neto salienta o caráter inovador deste projeto de formação de programadores com apoios públicos nos Açores, numa área muito carente de recursos humanos habilitados a nível mundial e que “no meu país eu nunca vi”, garante.

De entre todas as empresas já instaladas na Terceira, a Glintt, uma empresa portuguesa cotada em bolsa e fornecedora de serviços tecnológicos - sobretudo para a área da Saúde - é talvez a que está mais implantada, já com 20 profissionais a trabalhar no seu escritório da Praia da Vitória.

Nuno Rosa é o responsável pela Glintt Açores e refere, em declarações ao Açoriano Oriental, que “as pessoas que contratámos ao abrigo do Terceira Tech Island têm acrescentado muito valor no desenvolvimento do nosso software”.

A concentração destes profissionais no centro da cidade da Praia da Vitória deu uma nova vida ao comércio, sendo vulgar encontrar os jovens programadores nas esplanadas da Rua de Jesus, durante as horas de almoço ou no fim do dia de trabalho.

Tanto que já se pensa nos efeitos para o comércio que poderá ter a concentração futura destes profissionais na antiga escola americana, situada no Bairro Nascer do Sol.

Este bairro, com mais de 150 casas, tornado ‘fantasma’ pela saída dos militares norte-americanos, foi entregue à Região pelo Governo da República.

O objetivo do Governo dos Açores é o de criar ali um ‘cidade tecnológica’ com a antiga escola a servir de centro empresarial e as habitações a alojarem os quadros seniores das empresas que ali que se queiram instalar, sem o pagamento de qualquer renda.

O Governo espera que as obras de reabilitação do bairro comecem durante o próximo ano, depois de um primeiro contratempo com a necessidade de rever o projeto da antiga escola.

Mas o ‘problema’ da saída destas empresas tecnológicas do centro da Praia da Vitória até poderá não o ser, caso haja empresas que optem por ficar na zona histórica da cidade, mesmo tendo de pagar uma renda pelo espaço.


Fonte: Açoriano Oriental