Mais de 100 produtores de leite mudaram para a carne

Com a produção de leite sob pressão, 110 produtores de São Miguel, Terceira e Graciosa reconverteram as suas produções de leite para carne nos últimos quatro anos. A carne dos Açores tem potencial para crescer no mercado nacional, mas há ainda trabalho a fazer na fileira

Cento e dez produtores de leite fizeram ou estão a fazer a reconversão da produção de leite para carne, nos últimos quatro anos, nas ilhas de São Miguel, Terceira e Graciosa.

Destes, 101 produtores já completaram o processo de reconversão e 9 produtores têm ainda as candidaturas a decorrer, conforme revelou em declarações ao Açoriano Oriental o presidente do Centro de Estratégia Regional para a Carne dos Açores ( CERCA), Jorge Rita.

Mais de metade dos produtores que fizeram a reconversão da sua produção de leite para carne estão em São Miguel.

Refira-se que esta reconversão resulta de uma transferência dos apoios comunitários destinados às vacas leiteiras para as chamadas vacas aleitantes, ou seja, para a produção de carne, num valor anual a rondar 1,8 milhões de euros, “que estava no setor leiteiro e que, sem retirar nada aos outros produtores, transitou para direitos de vacas aleitantes”, explica Jorge Rita, que também preside à Federação Agrícola dos Açores e à Associação Agrícola de São Miguel.

Jorge Rita lembra que esta reconversão resulta muito da “imposição da indústria” transformadora do leite, ao adotar uma política de preços baixos à produção no início desta década, face ao continente português e à Europa, em geral. A isto, juntaram-se as dificuldades com a mão-de-obra na agricultura e o baixar do rendimento de muitos produtores menos estruturados. Tudo isso contribuiu para estas transferências do setor leiteiro para o setor da carne.

O presidente do CERCA lembra, contudo, que a reconversão do setor do leite para a carne “tem de ser sempre bem equacionada pelo produtor” (ver peça na página 3), em função da situação económica e familiar de cada produtor, em função da disponibilidade de mão-de-obra e face à viabilidade de cada exploração.

Nos Açores, há quatro ilhas cuja criação de gado está orientada para a produção de carne. São elas o Pico, Santa Maria, Flores e Corvo. Nas restantes cinco ilhas - São Miguel, Terceira, São Jorge, Faial e Graciosa - existe uma produção mista de leite e carne, com maior vocação para o leite.

Contudo e perante este aumento significativo no número de produtores de carne nas ilhas com maior apetência para a produção de leite, Jorge Rita considera que é preciso reforçar a estratégia de promoção da carne com a marca Açores.

Por isso, explica, “temos de valorizar mais e dar notoriedade a este produto de excelência que é a nossa carne”, o que passa, por um lado, por uma maior diferenciação da oferta (ver peça na página 3), “dando a conhecer o seu sabor”.

Mas também é preciso promover melhorias em toda a fileira da carne, da produção à comercialização, passando pelo abate, para fazer face às novas exigências do mercado, onde a rastreabilidade e o conhecimento do produto em todas as suas fases até chegar ao consumidor final, ganham hoje cada vez maior importância.

“No maneio da carne, nas desmanchas nos matadouros e nos talhos, até ao restaurante e ao consumidor, é muito importante termos uma melhor formação, num trabalho integrado e bem articulado”, alerta o presidente do CERCA, para quem “da mesma forma como no leite já temos muita especialização, também na carne precisamos de ser mais especializados e estamos já a dar os passos certos e consistentes nesse sentido, fazendo com que os produtores acreditem neste projeto e possam beneficiar da excelência da carne, com benefícios no seu rendimento”.

Refira-se também que ao nível do preço, a carne de novilho valorizou-se bastante nos últimos anos, embora ao nível da carne das vacas que terminaram o seu ciclo do leite, os preços tenham variado muito, ainda que com uma tendência para melhorar o preço.

Relativamente aos mercados de escoamento da carne dos Açores, o continente português é o grande mercado, registando-se igualmente alguma exportação para Espanha ou para o Norte de África, nomeadamente para Marrocos.

Contudo, conclui Jorge Rita, a grande aposta deve estar no mercado nacional, não só porque a carne dos Açores já tem reconhecimento e notoriedade no continente português, mas sobretudo porque a margem de crescimento nesse mercado é muito grande.

“O nosso grande mercado tradicional é o mercado nacional, sendo que Portugal só produz 46% da carne de bovino que necessita, importando os restantes 54%”, afirma Jorge Rita. Por isso, os Açores, nesse contexto, “têm condições excecionais para aumentar a sua produção para um um mercado tradicional que já está fidelizado, com a ajuda também do turismo gastronómico”, conclui o presidente do CERCA.

Qual a vaca ideal para produzir carne?
A produção de carne nos Açores é feita, quer através de raças com apetência para produzir carne, quer através de animais cruzados de Holstein-Frísia com raças de carne.
Em declarações ao Açoriano Oriental, o presidente do Centro de Estratégia Regional para a Carne dos Açores ( CERCA), Jorge Rita, explica que as principais raças de vacas com apetência para a produção de carne dão-se bem nos Açores.
São os casos das raças Angus, Charolesa ou Limousine, “que estão cá já há muitos anos e estão perfeitamente adaptadas”, afirma Jorge Rita.
No entanto, nos processos de reconversão ou nas explorações mistas de produção de leite e carne, utiliza-se muito o cruzamento de vacas com apetência para a produção de leite - nomeadamente da raça Holstein-Frísia - com vacas com apetência para a produção de carne.
Com as inseminações artificiais e o planeamento das explorações que hoje se pratica, é possível selecionar as melhores vacas de leite, que serão inseminadas com sémen sexado para terem crias fêmeas já destinadas futuramente também à produção de leite. Nas restantes vacas da manada, a inseminação já é feita em cruzamento com raças vocacionadas para produzir carne.
Nesse sentido, o cruzamento que melhor resulta nos Açores é o da raça Holstein-Frísia com a raça Angus, sendo este um cruzamento que facilita mais o parto, resultando num animal de qualidade para a produção de carne e que é mais valorizado pelo mercado.

Os motivos para a reconversão da produção de leite para carne

Dizer que foram apenas as questões financeiras a levar à reconversão dos 110 produtores de leite açorianos para a carne nos últimos quatro anos seria redutor e, nalguns casos, não corresponderia sequer à verdade.

Em declarações ao AçorianoOriental, o presidente do Centro de Estratégia Regional para a Carne dos Açores ( CERCA), Jorge Rita, reconhece que é “muito complexa” a resposta à questão sobre o que motivou a reconversão do leite para a carne em muitos produtores.

Isto porque, apesar de ter havido um movimento de reconversão da produção de leite para carne, nem todos os produtores de leite passaram pelas crises dos últimos anos da mesma maneira.

Há produtores que conseguem ganhar dinheiro com o leite, devido à forma como a sua exploração está estruturada, mas há também produtores que já não conseguem ganhar dinheiro com o leite, porque a exploração já não responde às necessidades atuais da indústria.

Além disso, a maior exigência da produção de leite, incluindo ao nível da mão-de-obra, que é escassa na agricultura neste momento, também tem levado a que muitos produtores reconvertam as suas explorações para a produção de carne.

“No setor leiteiro, as exigências são 365 dias por ano, com a falta de mão-de-obra, sem haver feriados, fins de semana ou férias... Por isso, para alguns produtores, esta atividade já começava a tornar-se saturante e foram saindo, não só por falta de rendimento no leite, mas também pela saturação”, afirma Jorge Rita, dando até o exemplo de produtores que “dizem estar hoje mais tranquilos a produzir carne, mesmo ganhando menos do que quando produziam leite”.

“Maior churrasco dos Açores” vai ajudar a divulgar peças menos valorizadas da vaca

O Mercado Agrícola do Campo de Santana, no recinto da Associação Agrícola de São Miguel, irá receber no próximo fim de semana, nos dias 7 e 8 de setembro, o Festival de Churrasco - Azores Beef Fest, numa organização do Centro de Estratégia Regional para a Carne dos Açores (CERCA) e da Associação Agrícola de São Miguel.

Aquele que promete ser “o maior churrasco dos Açores” tem também um propósito claro de divulgar e promover a carne açoriana, sobretudo nas peças da vaca em que ela é menos conhecida e valorizada.

Conforme explica em declarações ao Açoriano Oriental o presidente do CERCA, Jorge Rita, é preciso apostar num melhor aproveitamento da carcaça da vaca, porque “as peças nobres, como os lombos e as vazias, são sempre fáceis de vender”, mas há todo um trabalho ainda para fazer quanto a outras peças de carne de vaca, normalmente vendidas a preços muito mais baixos, sobretudo para assar ou para guisar.

Isto porque, afirma Jorge Rita, “a valorização associada à excelência” é neste momento o grande desafio que se coloca à carne de vaca açoriana.

O programa do Azores Beef Fest promete as quatro estações de churrasco: fogo de chão, varal, pit smoker e parrilla, com sete assadores do Brasil, Portugal continental e Açores.

E para promover o potencial da carne dos Açores, haverá dois chefs de cozinha convidados, com destaque para o Brasil, um dos países com maior tradição a nível mundial na produção e na confeção de pratos de carne.

Desta forma, os visitantes do Azores Beef Fest terão mais de 25 peças de carne para provar e repetir, com os devidos acompanhamentos do churrasco e sobremesa.

A organização do Azores Beef Fest promete ainda muita música e animação, bem como um espaço para crianças, que até aos nove anos de idade têm entrada grátis no evento.

 

Açoriano Oriental (05/09/2024)