Modelo de São Miguel não pode replicar-se (Marcos Couto)

Na qualidade de Presidente do Conselho de ilha da Ilha Terceira, como interpreta as declarações do Presidente do Conselho de Ilha de São Miguel, em que defende que mais investimento em São Miguel ajuda a economia das outras ilhas?
Se fosse eu a proferir semelhante afirmação, em relação à Terceira, era automaticamente adjetivado de bairrista. O investimento em São Miguel nunca alavancou a economia regional. Vamos a um exemplo prático e na área sobre a influência do "cajado" do Sr. Rita: O que é que a lavoura açoriana ganhou com o investimento feito no restaurante e enorme pavilhão de exposições da Associação Agrícola de São Miguel? Que se saiba, zero! Pelo contrário, a lavoura açoriana foi amplamente prejudicada pelo montante de dinheiro comunitário ali investido e que não foi aplicado em muitas outras pequenas explorações espalhadas pelos Açores. Este exemplo é transversal a muitas áreas da economia regional. A afirmação do Sr. Jorge Rita é vazia de conteúdo, nunca demostrada no âmbito das ciências económicas. Uma falácia repetida muitas vezes na expectativa que tenha de ser aceite pela sociedade política e socioeconómica dos Açores. Não vai acontecer! Mesmo São Miguel, com toda a centralização de investimento que vimos ao longo dos últimos 20 anos, de que é um pequeno exemplo o que se passa nos transportes aéreos e marítimos, não consegue resolver os seus problemas sociais, nomeadamente de pobreza, cada vez mais acentuados e que a todos preocupam. O problema de São Miguel não é, nem nunca foi, falta de investimento. É um problema cultural e social que tem que ser encarado com pragmatismo. Quando se coloca dinheiro em cima de um problema, uma das duas coisas vai desaparecer e não é o problema.
Ninguém, nas outras oito ilhas, se revê neste tipo de declarações que têm que ser entendidas dentro das dinâmicas internas dos terratenentes de uma certa elite pseudointelectual e económica/financeira de Ponta Delgada, mais especificamente do recentemente formado grupo lobista de pressão da casa de férias do Porto Formoso, ao qual o Sr. Jorge Rita quer agradar, mas ao qual nunca lhe permitiram pertencer. Vão continuar a usá-lo quando quiserem ou for oportuno. É neste contexto que se inserem as teorias, todas elas vãs e absolutamente descabidas, de que era Sérgio Ávila quem mandava em Carlos César e Vasco Cordeiro, bem como as atuais, de que são Artur Lima ou Paulo Estevão quem manda em José Manuel Bolieiro.
Estamos só a aguardar o momento em que tentem derrubar membros do governo só porque não são de São Miguel e porque para eles a sua ilha são os Açores. Tudo demasiado mau para ser verdade. E andamos nisto há 50 anos: a destruir a Autonomia com teorias da conspiração baseadas em mediocridades intelectuais deste nível. Para muitos de nós já é penoso ter que lidar diariamente com este pântano intelectual.
Recuso aceitar um modelo de desenvolvimento para os Açores semelhante ao que existe na Ilha de São Miguel: unipolar. Um modelo em que aumentam as assimetrias regionais e que é pautado por uma teoria que beneficia sempre os mesmos, empobrecendo os restantes. É um modelo que tem sempre por base uma suposta teoria de distribuição da riqueza, mas que na realidade nada mais é do que uma forma de enriquecer os mesmos e tornar os outros cada vez mais pobres. Arrisco dizer que é um modelo típico de uma sociedade Comunista. Atenção que uma coisa é Ponta Delgada e outra completamente diferente é São Miguel, sendo a segunda a primeira e maior vítima da primeira.

São Miguel é vítima de Ponta Delgada
"Recuso aceitar um modelo de desenvolvimento para os Açores semelhante ao que existe na Ilha de São Miguel: unipolar. Um modelo em que aumentam as assimetrias regionais e que é pautado por uma teoria que beneficia sempre os mesmos, empobrecendo os restantes. É um modelo que tem sempre por base uma suposta teoria de distribuição da riqueza, mas que na realidade nada mais é do que uma forma de enriquecer os mesmos e tornar os outros cada vez mais pobres. Arrisco dizer que é um modelo típico de uma sociedade Comunista. Atenção que uma coisa é Ponta Delgada e outra completamente diferente é São Miguel, sendo a segunda a primeira e maior vítima da primeira".

Que impacto tem este tipo de declarações na Autonomia e na unidade Regional?
Os Açores não evoluem por causa dos poderes escondidos.Tal como já referi, o problema da Ilha de São Miguel não é, nem nunca foi, a falta de investimento. Éum problema grave de exclusão social resultante de uma sociedade estratificada, não inclusiva, elitista, que explora essas diferenças, que torna os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Na Terceira, como nas restantes sete ilhas, é comum ver-se um médico, um advogado, um professor, um juiz ou um empresário a servir à mesa de um qualquer império ou irmandade do Espírito Santo, uma pessoa de uma classe social mais baixa. Isso não é assunto para nós e nunca aconteceria em São Miguel. Gastar mais dinheiro para sustentar esta realidade só leva ao agravamento da situação. Quanto ao impacto, estas declarações só contribuem para criar cada vez mais desunião e fragmentação.
Já lá vai o tempo em que comíamos e calávamos perante este tipo de atitudes. As restantes ilhas estão fartas deste tipo dedeclarações. O desenvolvimento dos Açores tem que ser harmónico, com equidade e não unipolar. Quanto à questão da produção de riqueza e ter 60% da população, é um facto que cada vez será mais agravado se alguma vez cedermos a este tipo de posturas bairristas e centralistas. Devia ser um fator de enorme preocupação e não de vaidade. Imagine-se só se,no início da Autonomia, a Ilha Terceira tivesse reclamado para si a totalidade do dinheiro da Base das Lajes. À luz da forma de pensar destes senhores e dos interesses que querem agradar, seria mais do que legítimo. Foi a Ilha Terceira que levou ao desenvolvimento de São Miguel e nunca se colocou em bicos dos pés por causa disso. Foi a Ilha Terceira que financiou o início da Autonomia.Sempre tivemos uma verdadeira visão autonomista e nunca parasitária, como as que estas declarações representam.
Não entendo como é que os fundadores da Autonomiaestão todos calados perante este tipo de declarações autofágicas. Gostaria de ouvir, por exemplo, o Dr. João Bosco Mota Amaral, tal como fez recentemente o Dr. Reis Leite, que sabe muito bem do que falo e das dificuldadesque o dinheiro da Base das Lajes ajudou a ultrapassar, opondo-se veementemente a este tipo de posturas. Tanto quanto sei, o Dr. João Bosco Mota Amaral não faz parte do grupo da casa de férias do Porto Formoso, pelo que deveria estar muito preocupado com estas atitudes autonomicamente suicidas e desvinculativas da suposta unidade regional.

Sobre os investimentos que o Presidente do Conselho de Ilha reclama para São Miguel, que comentários faz?
Acho todos legítimos. É o mesmo que todos queremos para as nossas ilhas, sendo que, no caso em concreto, nenhum tem reflexo na economia das outras ilhas dos Açores. Fico, no entanto, perplexo com a questão do Hospital de Ponta Delgada. Em primeiro lugar, acho que é essencial referir que, como açorianos de bem que somos, estamos todos solidários com os habitantes de São Miguel. Daí até investir 20 milhões (12 milhões no hospital+3 milhões em infraestruturas+5 milhões em equipamentos) num hospital modular, numa região que tem dificuldades em honrar os seus compromissos, nomeadamente com o tecido empresarial, tal o estado em que se encontram as contas públicas, acho mal. Na verdade, acho um escândalo. Somos pobres, mas, mais uma vez, estamos a fazer vida de ricos para calar os mesmos de sempre. A região tem mais dois hospitais disponíveis para receber doentes da Ilha de São Miguel. É nessas estruturas que o Governo Regional deve investir de modo a servir todos os açorianos. Desse modo, colmataria os problemas traidos pelo incêndio do HDES até à sua reconstrução/remodelação, mas também constituiria um investimento de futuro que asseguraria a redundância de oferta no Serviço Regional de Saúde, cuja necessidade ficou patente com esta calamidade e que, dada a nossa vulnerabilidade aos fenómenos meteorológicos extremos, sismicidade e atividade vulcânica, tem uma elevada probabilidade de se repetir.

 

Diário Insular (25/08/2024)